Friedrich Nietzsche é mais lembrado por seus ataques às tradições metafísicas da filosofia ocidental do que por qualquer vínculo com a educação formal. No entanto, entre os anos de 1870 e 1874, enquanto lecionava na Universidade de Basileia, o chamado “Filósofo do Martelo” lançou raízes profundas em reflexões pedagógicas que, ainda hoje, oferecem inquietações preciosas para repensarmos a formação docente e o papel da escola. Neste contexto, o Nietzsche que encontramos em textos como Considerações Extemporâneas ou em conferências como Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino e Schopenhauer como educador, não se limita a um teórico da escola ou a um reformador de currículos. Seu interesse pela educação é existencial. Para ele, formar é mais do que ensinar: é convocar o indivíduo à coragem de tornar-se quem se é. O educador, nesse horizonte, não é apenas um transmissor de saberes, mas questiona, sacode certezas e provoca a reinvenção de si e do mundo ao seu redor. Em outros termos, a partir de Nietzsche, o verdadeiro ato de educar consiste em uma “pedagogia do martelo”, pois não teme destruir ídolos nem resistir à conformidade: sua tarefa é formar espíritos livres, capazes de (re)criar saberes.
À luz dessas reflexões, torna-se possível vislumbrar uma educação que se insurge contra o adestramento voltado ao mercado ou à lógica do funcionalismo técnico, uma educação que rejeita o ensino que anestesia, uniformiza e empobrece o espírito. Para Nietzsche, educar não é adaptar o indivíduo às engrenagens sociais, mas sim libertá-lo, e essa libertação exige rupturas com a banalização do saber e com a cultura massificada. É nesse contexto que o “martelo” assume sua força simbólica: não apenas como instrumento de destruição, mas também de afinação, capaz de despedaçar ídolos e, ao mesmo tempo, revelar ressonâncias profundas. Longe de ser um ideal inalcançável, essa pedagogia crítica encontra eco nas tensões reais do ofício docente contemporâneo. Em um cenário no qual a escola é interpelada por demandas ambíguas, ora como aparelho reprodutor da ordem vigente, ora como promessa de emancipação, a leitura de Nietzsche desvela a armadilha das finalidades impostas e dos sentidos pré-fabricados. Em contrapartida, o filósofo nos recorda que o verdadeiro educador é aquele que, como ele próprio fez, ousa interrogar os mestres, romper com verdades herdadas e se lançar na tarefa inacabada de formar-se para poder formar.
Hoje, quando a escola pública é pressionada entre políticas de rendimento e resistências criativas, a pedagogia nietzschiana ressurge como provocação: que educação queremos? Que tipo de professor(a) estamos formando? Qual cultura está sendo cultivada, e a serviço de quê?
Responder a essas perguntas exige mais do que reformas pontuais ou discursos otimistas: exige a disposição para empunhar o martelo, não como quem destrói por impulso, mas como quem investiga os alicerces, testa as estruturas, provoca ressonâncias e abre fissuras onde a vida possa pulsar. Portanto, inspirados por Nietzsche, somos desafiados a abandonar a pedagogia da conformidade e a cultivar uma atitude filosófica diante do ato de educar, uma atitude que desconfia das certezas prontas e aposta na formação de sujeitos que pensam por si, mesmo (e sobretudo) quando isso os coloca em desacordo com o seu tempo. Afinal, como o próprio Nietzsche ensinou, a verdadeira educação não adestra: é um processo contínuo de (re)criação de si e do mundo, um exercício permanente de superação, em que ensinar e aprender se confundem na tarefa de tornar-se o que se é.
Foto gerada por Inteligência Artificial - Coluna Jungley Torres.
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Jungley Torres
Filosofia
É professor com formação em Filosofia, História, Ciência da Religião e Pedagogia. Suas principais áreas de atuação e pesquisa abrangem Filosofia da Educação e Hermenêutica Filosófica, com ênfase em desdobramentos ontológicos, existenciais e fenomenológicos. Destaca-se, sobretudo, o interesse por temas relacionados à intersubjetividade, aos saberes que orientam as práticas pedagógicas e ao discurso pedagógico contemporâneo. Suas pesquisas concentram-se na linguagem como eixo central da relação entre ser humano e mundo, bem como no diálogo, concebido como fundamento da práxis pedagógica.
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